segunda-feira, março 05, 2007

Preliminares

19 Dezembro de 2006
Completei nesse dia um ano de estudo intensivo, diga-se ELO (estudo de longa duração). A simplicidade de um singelo acto nesse dia- quando somatizado num exame de acesso à especialidade de 100 minutos. Não sei se senti alívio ou revolta, talvez um meio termo.
Andei desligado da realidade usual e isso fez com que a entendesse um pouco melhor. Meses, dias, horas e segundos intermináveis mas desfrutáveis.

Voltei a ser puto e a questionar "Porquê?". E a entender que o mais importante não é obter a resposta mas o encadeamento das suas perguntas. E saber, no final, que a racionalização que tanto nos exigem não faz a diferença.

Aprendi que o limite não nos é imposto, somos nós que o estabelecemos. Fui além de todas as minhas expectativas e no final soube que não toquei no topo. E como foi bom descobri-lo.

Seguiu-se um Natal em família. Um prazer indescritível: sentar-me num sofá, ouvir um documentário e não pensar em diagnósticos diferenciais por ter visto um fácies característico...
A rotina diária mantinha-se e eu via-a por uma nova perspectiva, mais salutar, acho.
Deixei-me levar pelo batimento cronométrio de poder existir, agora já sem a responsabilidade do momento. Podia não dormir, podia não me alimentar, podia adoecer. Fizesse o que fizesse, o resultado já não dependia de mim. Sentia-me leve… na “consciência”.

28 Dezembro 2006
A notícia: gralha “previsível” do governo na colocação dos médicos internos pelos vários hospitais do país. Saiu um decreto-lei: começaríamos a trabalhar um mês mais tarde (dia 29 Jan 2007).

Dei um grito espontâneo de alegria. “Era a altura!” Fiquei exoftálmico, senti-me a palpitar e o cérebro voltou a processar a cem à hora.
Depois da passagem de ano tinha que viajar, para onde não interessava. Tinha que aproveitar. Pior que não ter oportunidades é não as saber aproveitar, quando as temos.
Dois dias de investigação culminaram em…Brasil. Talvez não precisasse de 2 dias, mas tive de os perder. Baseei-me em http://www.rumbo.es/, um motor de busca de vôos bastante eficiente. As low costs estavam postas de parte; queria voar para fora da Europa já que o tempo o permitia.
Porquê o Brasil?
Tinha um mês de pseudo-férias; em Janeiro é Verão pleno; férias grandes ao rubro; as boas memórias de 2005 e uma vontade inconsciente de querer desmistificar uma hipótese de futuro. Queria repetir o país, mas não as mesmas cidades.
Em 2005 tinha percorrido a costa Nordestina desde Jericoacoara até Natal.
Agora optava pelo lado Sul, mais frio no Inverno de lá, ideal no Inverno de cá.
Fiz algumas reservas na internet, mas estas iam expirando de prazo e as horas passavam. Hesitava em dar o grande passo e isso ia-me angustiando. Até que liguei directamente para a TAP às 13.00 do dia 3 de Janeiro e fiz nova reserva por um preço relativamente aceitável.
Reserva BEXCQW,
Ida
05 Jan 11.15 Porto
05 Jan 19.40 Rio de Janeiro Term. 2
Volta
26 Jan 21.00 Natal
27 Jan 07.00 Lisbon
+
27 Jan 08.45 Lisbon
27 Jan 09.35 Porto

Tinha que efectuar o pagamento no aeroporto até às 21.30 desse mesmo dia para não perder a oportunidade. Foi então que deixei de parte a racionalidade e simplesmente fi-lo. Tinha de ser desta forma. Quando tive os bilhetes na mão, a coisa tornou-se séria. Nessa altura, sim, pensei:
“Depois de amanhã vou para o Rio de Janeiro. 21 dias depois tenho que estar em Natal não sei como, que fica a 2 000 km de distância do Rio.”
Foi então que exclamei “Sou completamente doido dos carretos!” Já não podia voltar atrás (o bilhete não era reembolsável) e tive que pôr mãos à obra, ou melhor, pôr os dedos no teclado.
Informação genérica da cidade, pesquisa de Hostel´s para dormir nem que fosse só no primeiro dia e contactos, para mim o fundamental. Mandei uns 3 mails a Couchsurfers do Rio de Janeiro, na esperança de trocar umas impressões com um café e/ou de obter alojamento por um ou dois dias. Liguei para os meu tios em França que se disponibilizaram em me ajudar de uma forma extraordinária. Eles haviam lá estado há cerca de 3 anos e tinham vários contactos, que posteriormente me enviaram por mail.
Durante a minha pesquisa internética surgiu no MSN a Evelin, fotógrafa de profissão que conheci em Fortaleza quando lá estive em 2005. Contei-lhe do sucedido e questionei-a acerca de contactos cariocas. Foi então que me “apresentou” o Flávio, seu colega de profissão, com o qual mantinha boas relações. Em 3 minutos ele disponibilizou-se para me ir buscar ao aeroporto aquando da minha chegada… Que dizer deste povo?
A maré estava do meu lado. Imprimia tudo o que fazia. Ia ter 10 horas de viagem no avião, tempo suficiente para estruturar contactos, viagens internas e os receios também.
Falei com o Gustavo, um colega meu de Faculade, que lá havia estado com os pais há um ano. A recomendação mais peremptória que me deu foi: “Não fiques em Copacabana, é muito perigoso.”
Liguei para a minha mãe: “Mãe, depois de amanhã vou para o Rio, já comprei bilhetes.” […] De início o silêncio, no final a resignação, acho.”

4 Janeiro de 2007
O meu pai fazia anos, fomos jantar a Matosinhos. O entusiasmo pairava nos olhos da Liliana e eu tentava não me aperceber dele. Fiz por não me esquecer de o parabenizar pois tudo era tão relativo. Tava prestes a fazer a viagem que tanto sonhei e não queria admiti-lo eu mesmo.
Tudo foi instantâneo e nada estava agitado. Estava calmo demais. Tentava ter um pensamento paralelo para não demonstrar a incerteza que tinha no momento. A minha mãe engolia em seco cada pedaço de camarão e olhava-me, mas nada dizia.
No final despedimo-nos, voltei a casa, já sozinho. 23h30!!! Estava por minha conta. Dali a 10 horas tinha que estar a fazer o check-in no Aeroporto Sá Carneiro. Cansado por não dormir, mochila por fazer, sem planos estruturados, nada, nada, nada…

A viagem começava…

2 Comments:

Blogger João Vasconcelos said...

Obrigado Di.
Vocês todos foram fantásticos.
Agora que sua viagem está chegando imagino o que deve estar sentindo..
Aquela dorzinha de barriga que dá alguma angústia. Mas se não fosse assim não tinha encanto...
Estou certo que vai adorar! Força aí.
Vou fazer sempre os possíveis para publicar posts semanalmente, é uma forma de me obrigar a mim mesmo de o fazer. Um novo deve estar chegando.
beijos.
Joao

10/3/07 20:19  
Blogger PV said...

Eu assisti em directo a cada momento destes preliminares. Foi mesmo assim, confirmo e, parece-me que grande parte de nós se revê na possibilidade de um dia poder cometer uma loucura/normalidade destas. A ultrapassagem dos nossos medos assim o permitam

13/3/07 10:43  

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