terça-feira, março 27, 2007

No princípio era o ...

6 Janeiro 2007
Ouvi o ranger da porta e 2 vultos se aproximaram, era ele e um outro. Fiquei ali, inerte... Fixaram-me, esboçaram um sorriso, deram meia volta e saíram. Porque teriam eles ido ali? o que procuravam...? Deixei-me entorpecer por um pseudosono que receava aprofundar. “Será que voltam?” “Ponho-me a andar?” “Escondo-me?”. O som do bar da cave produzia uma oscilação sísmica ritmada na minha cama. Conseguia olhar para as restantes camas; uma luz de candeeiro penetrava pela única janela de madeira que não selava os raios artificiais. Toalhas no chão, roupa aos montes, malas abertas, garrafas vazias, sapatos, muitos sapatos e o seu típico odor. O lugar tornava-se sombrio, uma ameaça constante. Mas não podia ir para outro lado. Sair dali a essa hora seria uma loucura, só o amanhecer acalmaria tudo isto. E tentei “amanhecer-me”-não pensar.

O dia surgiu. Aparentemente estava íntegro e dei-me por satisfeito Estava decidido a mudar de pousada porque se havia lugar onde me queria sentir seguro era a dormir. Mas já tinha pago 5 dias e foi então que ponderei tudo muito bem. Não tinha visto os tais vultos de novo, mas a incerteza reinava e eu tinha que começar a aproveitar.
O café da manhã tomei-o às 8.30- era servido até ao meio-dia no terraço do hostel: um bar repleto de taças de barro com fruta, pão variado, croissants, goiabada, mel, presunto (ou seja, fiambre), queijo, leite, sucos, muitos sucos, café e um calor resplandecente. Do lado oposto ao bar havia uma piscina circular com os seus 2,5 m de diâmetro, que servia basicamente para por o bacalhau de molho, ou melhor, para não o deixar secar...
Conheci as primeiras pessoas: as do bar, Uma das que servia o desjejum era um Alentejano que tinha ido para o Brasil (sim isso mesmo) e encontrava-se lá porque ainda não tinha arranjado emprego definitivo. "Ao menos aqui tenho onde dormir e comer", disse-me ele. "Os/as hospedeiros/as" que lá trabalhavam tinham todos entre 18 e 28 anos, eram malta nova, com um espírito fantástico; dormiam connosco nas camaratas, davam informações, trocavam experiências e conviviam com todo e qualquer hóspede que por lá entrasse, viesse ele do Japão ou do Quebec.

Uma filosofia de vida difícil de entender- optar pela insegurança de um emprego efémero de sobrevivência, sem saber o que o amanhã os reserva. Quando estive em Cesky Krumlov-República Checa em 2005 conheci um couchsurfer ("Surf no sofá"-vide mais à frente) brasileiro que tinha simplesmente posto uma mochila aos ombros rumo à Europa. Disse-me ele que foi para a Europa Central, porque era o local onde menos implicavam com vistos e com os demais aspectos burocráticos. Veio sem nada, nada e havia conseguido emprego numa pousada; agora conhece pessoas dos 4 quantos do mundo (não fosse ele redondo, ou perto disso) e VIVE.
Mas afinal, no meio disto tudo, quem é que sobrevive? E quem é que vive? Perguntas com as quais eu próprio me questiono ainda hoje.
Viver é ter luxos ou será que o maior luxo é Viver? [ ]

Conheci o Marcos, um paulista com formação em Psicologia, a trabalhar actualmente na Petrobras. Um cara muito bacana com o qual viria a estabelecer uma forte amizade. Ele optou por tirar uns dias de férias. No entretanto conheci um grupo fabuloso de Australianos (Chris, Jackie, Kath)
Da esquerda para direita: Marcos, Kath, Chris, Jackie

Informei-me acerca de tours organizados pela pousada; nesse dia só mesmo um Christ tour, mas o tempo estava mau. Optei por sair à Rua. Tive o meu primeiro contacto, a solo, com o tão famoso Calçadão de Copacabana. Absolutamente maravilhoso quando olhei no sentido Ipanema. Andei uns 300 m estupefacto com o contraste de colinas vs mar e fiquei-o mais ainda quando olhei para trás e avistei o Pão de Açúcar. Deixei-me vaguear até o Arpoador - Ipanema - Leblon; aproximadamente 6 km em 1:15. Dei-me por satisfeito e regressei.
Liguei para a Mariana nessa tarde, a couchsurfer que tinha contactado por mail em Portugal. Propus-lhe um café e a resposta superou tudo: fui convidado para ir no Milano D.O.C.- Rua Gomes Carneiro, Ipanema, com a sua mãe e tia!!
Mas afinal o que é isso do Couchsurfer???

segunda-feira, março 19, 2007

Pousada Stone of a beach

5 Janeiro 2007
Aproximava-me do aeroporto internacional do Rio de Janeiro, mais conhecido por Galeão. Posso dizer que toda a sua mística se me entranhou nesses precisos momentos: pude desfrutar pela primeira vez da sua magnitude. Colinas, a que mais tarde viria a chamar de morros, inundavam uma planície contagiada por verdura.
O avião iniciava a aterragem e o coração dava sinais. As casas que via ao longe como grãos de areia formavam agora uma tela de óleo semi-esborratada: eram as tão famosas Favelas! Estavam ali prestes a receber-me para o bem e para o mal. Um contraste absoluto. Prédios imponentes lado a lado com a mais pura miséria de casas sem cimento, muitas de madeira e estradas em terra batida. Um mundo sempre distante, mas que agora entrava na minha realidade. E ensaiava na minha mente o que poderia estar acontecer mesmo ali em baixo. Uma cidade misteriosa, muito cobiçada, muito desejada, mas também muito evitada. 8 milhões de pessoas a meus pés... Toda uma série de contradições que se fluidificavam num sentimento muito próprio, mas indefinido.
Aterrei. Despedi-me do João e saí já com 1 hora de atraso tentando não stressar. Peguei na minha mala e liguei para o Flávio de imediato, mesmo antes de me dirigir à porta de saída. Liguei 1, liguei 2, liguei 3 vezes. O telemóvel estava desligado. “E agora? Que faço?” Tinha que pensar rápido. Caso ele aí não estivesse tinha que pegar um taxi. Mas só tinha 8 reais, o resto era em euros. Teria que levantar dinheiro numa caixa automática, mas tinha sido prevenido para não o fazer sozinho, num aeroporto e cheio de malas (realmente mais chamativo que isto seria difícil). Foi então que me lembrei que no Brasil se usam uns indicativos, DDD e DDI para chamadas nacionais e internacionais, respectivamente. Lembrei-me também que se ligasse de um “orelhão” (cabine telefónica pública) não seria necessário acrescentar esses números, pelo que seria a melhor opção a tomar, caso não descobrisse como havia de efectuar a chamada através do meu “celular”.
Saí e foi o caos. Montes de pessoas de agências, de hotéis, de carros, de táxis (os tão temidos) me abordaram. “Senhor, senhor, quer ....”. Dirigi-me a um balcão e pedi um cartão da Telemar (operadora de telecomunicações fixa). Só tinha cartões de 40 créditos.
-Quanto custa?- perguntei eu.
- 8 réaisssss- respondeu-me a menina.
Ufa, que alívio, era tudo o que eu tinha... Liguei do orelhão e aquilo chamou. Era o Flávio!!!!!! Estava no piso de cima e veio ter comigo. Que alívio, que descompressão, que alegria... Fui levantar dinheiro com ele. Levou-me até ao carro e conheci a namorada dele. Ambos muito hospitaleiros e simpatiquíssimos. Tive o primeiro contacto com a cidade by night, by car. Um porto cheio de mercadorias, de navios, a linha vermelha, a lagoa Rodrigo de Freitas... não conseguia fixar tudo, era tanta tanta informação.. E eles contavam-me da nova forma de assalto aeroportuária: gangs “pós-graduados” em assaltos de portáteis; só assaltavam portáteis daqueles que aterravam no Rio e que vinham com a mala laptop ao ombro. Quando o processo se torna muito evoluído, há que partir para a especialização. E só este pormenor fazia-me antever muito...
Fomos ao Catete´s hostel: um albergue no Centro da cidade dentro de um condomínio fechado, muito seguro, com muito bom aspecto, mas com relativamente pouca gente, pouca agitação, pouca adrenalina. Tive que tomar uma decisão. Ficar neste mesmo ou partir para Copacabana, o local desaconselhado pelo Gustavo, mas que certamente estaria no cerne da agitação citadina, cheio de emoções fortes. Optei pela segunda opção. Quando lá cheguei confirmei isso mesmo: lotadíssimo; inglês, português, francês eram as línguas que se iam ouvindo. Com bar próprio na cave e música trepidante. Meninas da recpeção calorosas a fazer juz ao seu local de trabalho. Um terraço estupendo, com piscina e um outro bar de bebidas onde o pessoal se ia conhecendo. Dormitórios com mais de 10 pessoas cada um. Pedi para ir ver o mais barato, mas fiquei-me por um outro mais sossegado, predominantemente feminino e com um cheiro suportável.

Era ali onde tinha que estar. Paguei 5 noites para assegurar o lugar e fomos os 3 jantar uma picanha estupenda, salteada com arroz e farofa mais uns quantos chopes! Que excelente recepção! Trocámos umas ideias e fui angariando informação variada, desde “trilhas” a percorrer, marcos a não perder, perigos a evitar e locais para desfrutar.
Regressei ao meu quarto. Estava eu e mais eu, cansado, mesmo cansado. Antes de me deitar fui à internet mandar notícias para além Atlântico. Foi então que me apercebi de um cara totalmente bêbado, um pouco ao quanto descontrolado. A porta de entrada do albergue estava totalmente aberta e tudo indicava que seria um gajo de rua que por lá tinha entrado com muito más intenções. Carreguei várias vezes Alt + F4, dei meia volta e fui directo para o quarto, assim oh (mão fechada com os 5 dedos a conectar-se ventralmente). “Meto-me em cada uma...”
Tentei fechar os olhos, mas não consegui. A porta do meu dormitório não dava para fechar e eu estava lá sozinho. A qualquer instante o outro rapaz podia entrar sem qualquer problema. E foi o que aconteceu...

segunda-feira, março 12, 2007

A partida

5 Janeiro de 2007
Lancei os lençóis da minha cama e fui compondo a minha mochila para 21 dias, sempre com o intuito de levar o menos possíveis, mas o máximo do essencial:
- champô - nem pensar, é muito pesado e toda a gente o tem :)
- pasta dos dentes, escova e fita dental (não gosto de fio:))- fundamentais (esses sim não são compartilháveis);
- t-shirts - muitas, mas com o mínimo de marcas expostas, para não dar nas vistas; só 1 da Nike para o caso de um imprevisto e o resto tudo liso, lisinho como a cal.
- calções e ah... muito importante, 1 sunga (Dic.: s.f. Bras. Calção próprio para banho e natação./Tipo de cueca muito curta, semelhante a calção de banho./ Espécie de suspensório para os órgãos sexuais masculinos). A experiência dizia-me que ter sempre algo debaixo das calças pronto para tomar banho é o 1º mandamento quando se vai para um clima tropical. Quanto à 3ª definição enciclopédica (Koogan-Larousse-3ª ed.)... na realidade aquilo fica ali mesmo no sítio- de realçar que o calor vasodilata e tem um efeito cremastérico (“colhone’s muscle:)) relaxante.
- 2 frasquinhos vazios de Benflorene®_(tx da minha gastroenterite há 1 ano) serviram para levar +- 5 ml de álcool e de “Betadine®”;
- paracetamol e Nimed® qb, etofenamato para as contusões musculares, ambroxol para o catarro, Duspatal retard® para as cólicas abdominais, amostras de creme “after sun” e protector solar factor 50 da Roche;
- 1 toalha de mão, 1 par de havaianas, 3 pares meias, 5 boxers;
- Sapatilhas, calças e camisolas Não(alto lá_ camisolas portugas*)- bastavam as que levaria no próprio dia;
- 1 guia de todo o Brasil- Loonely Planet- valeu brother. 5 canetas, 3 lápis-só assim sobra sempre um/a.
- imprescindível: muitos cadeados e 1 bandeira de PORTUGAL! ;
- vários cartões de débito, inclusivé da mesma conta, para o caso de os perder;
- um recinto TOP 1, que designei desta forma por ser a única coisa que eu não poderia perder- o passaporte!
- 1 mochila de ombro vazia para mini-expedições hipotéticas e uma outra de desporto também vazia na esperança de trazer cenas tipo, iá men, brasileiras.
- 2 carteiras: a minha usual e outra toda carcomida, essa sim para sair no dia a dia.
- 1 máquina fotográfica que tinha comprado no dia anterior (já conseguira ligá-la:P).
- cartão de “International Student” caducado. Mas alto lá, aquilo dizia “data de validade: 2004”. Levantei o plástico e com 1 caneta de acetato lá ajeitei o esquema, passou para 2008. Perfect, voltava a ser estudanteJ
*Camisola em “brasileiro” significa camisete de dormir de mulher.

Parece muito? 7 Kilinhos! Maravilha, o ideal para aquilo a que me propunha: não ficar limitado em termos de locomoção para o que desse e viesse. A este peso acrescentaria 2 garrafas de vinho Porto+ 1 de aguardente da minha quinta- os meus ex-líbris- não contabilizáveis já que estes eram facilmente despacháveis.
Eram 3:30 da manhã do dia 5 Janeiro. Tinha que acordar às 6:15 para chegar a horas ao aeroporto. Mandei um SMS ao meu irmão para que me ligasse caso eu não lhe desse 1 tok até as 7h. Adormeci e acordei a horas. Era altura de partir. Saí com um frio desgraçado. Estavam 5 graus e eu de calças de ganga uma 1ª pele polartec, 1 camisola de malha fininha e sapatilhas. Apanhei o metro e uma súbita dor de barriga me atormentou a viagem. Cólicas insuportáveis e uma vontade enorme em descarregar. Foi óptimo! Estava tudo ali somatizado e não houve espaço para a minha mente dar sinais. O certo é que cheguei ao aeroporto e deixei o vaso sanitário de tal forma que parecia o lamaçal do Pantanal. Afinal estava mesmo stressado...
Um sentimento indescritível... não sei se de auto-congratulação ou se de arrependimento; e pensava que podia estar, naquele preciso momento, sentado no sofá, em casa, a ver um filme, no conforto da família. Que se lixe! A demência surge nos idosos porque eles se vão autovegetando. Ok, está bem, a psicose surge nos ultrasónicos. Mas entre os 2 prefiro o último, prefiro ter um Mundo, o meu Mundo, ainda que surreal (diga-se regrado apenas pelos impulsos do inconsciente e deliberadamente incoerente, tal qual André Breton o descreveu- ok fui ver ao dicionário).
Fiz o check-in e foi incrível como não reclamaram com o peso da minha bagagem: podia levar 62 kg e eu apresentei cerca de 5 Kg para despachar. Dever-me-iam ter multado, pois não atingi a cota mínima...
Entrei no avião e a meu lado sentou-se o João, um homem dos seus 45 anos, bem vestido e muito sociável. Tratava-se do Big Boss do “Século XIX”-disco muito conhecida de Guimarães, do “Castelo”- bar fashion de Vila do Conde, e gerente da parte de restauração da “Casa da Música” no Porto. Vinha acompanhado de 3 amigos, um dos quais estava em 1ª classe e era vê-lo ao longe a empaturrar-se com salgados e champagne. De vez em quando todos se reuniam com o João e era vê-los a falar de investimentos arrojados, da vida nocturna, de mulheres, de luxos exorbitantes... Iam para o Rio de Janeiro, para um Hotel em Ipanema. Falamos durante umas 3 horas. Quis saber qual a opinião dele em ir para o Rio sozinho, sem planos, sem nada confirmado.
- É pá, admiro-te sinceramente. O Rio é muito perigoso, muito! Das poucas vezes que andei no calçadão de dia vi muita pobreza, muitos assaltos e muitos polícias.
- Muitos polícias? Mas então...
- Estão ali porque são obrigados e querem ganhar algum. Não te fies neles...
- E então qual é o vosso plano?
-Ah... Estivemos indecisos entre Miami ou Rio de Janeiro. O Rio é bom, mas é uma seca passar 10 horas dentro de um avião. Se chegarmos lá e aquilo estiver nublado vamos para Floriano [Florianópolis- a 1500 km do Rio], lá a noite é que bate.
Que podia eu devolver? Saiu-me um sorriso amarelo, nada mais. Ele adormeceu e eu debrucei-me no meu guia. Lia sobre o Rio, e ia dando asas à imaginação. Asas estava nelas, a imaginação era fértil, mas muito pessimista. Estava a preparar-me para o pior: como reagir a uma situação imprevista, um assalto e até mesmo um sequestro. O meus objectivos tornavam-se num só: o de voltar são e salvo, de preferência não a nado.
Numa folha 10x12 cm escrevi os nomes e telemóveis de todos os contactos que havia imprimido: Zulete, Alvinho, Leila, Diala, Rafael, Glória, João Paulo, Teresa, Ana Paula, Flávio, Alonso, Mariana, Paula.
E relia as conservas no chat que tive no dia anterior:

Fellipe Vellozo- carioca a viajar pelo Canadá que conheci em Fortaleza

- vai curtir muito o rio!!! Tem muita coisa legal pra se fazer, especialmente no verao.........- disse o Felipe
- lá está mau em termos de violência- disse eu
- daqui a pouco passa... não eh tanto assim como aparece na tv
- que diz dos albergues?
- fique em algum perto do metro. Ipanema eh bom, acho que tem um la, mas não tem metro. porem e um lugar legal de ficar. Tem outro no Catete ou Largo do Machado. acho que seria uma boa opcao. O catete pq eh proximo da Lapa, que pra mim eh onde tem a melhor night da cidade
- legal
- varias casas de show, de samba, sempre tem coisas na rua tb. eu adoro la... e eh meio underground. eh proximo de Santa Teresa que vc tem que conhecer!! O centro do rio eh muito legal tb... mas durante o dia.... a noite eh perigoso... procura um cara chamado Alonso no couchsurfing, ele e meu amigo e mora perto de minha casa.. de repente rola de vc ficar na casa dele. bicho tenho que sair, pra ajudar a arrumar a casa...
- obrigadao- terminei eu- um abraço

Rafael – meu primo francês que esteve no Rio durante 2 anos

- 1ra coisa para saberes é quando chegares ao aeroporto ... não apanhar o primeiro taxi que vires. ou seja: há gajos que vao ir te ver e dizer “osenhor quer um taxi?”... é melhor evitarje esses gajos pq há muitos sequestros
- ah – engoli eu em seco.
- apanhas um taxi que ta na fila a espera la fora é + safe
- fica +- quanto 1 taxi?
- do galeao (aeroporto) a copacabana há tipo 30 ou 40 km. Talvez 40-50 E mas e so para dar uma ideia pode ser mais ou menos. Talvez menos... pela linha vermelha
- euros ou reais?
- $R
- ah. uff.... e mais conselhos primaço
- é simples : nao podes mostrar sinais de riqueza. relogio, cordao, camera fotografica em lugares seguros e nao de noite. tens que tentar limitar o teu sotaque tb. vai a carioca : tens que ser um deles para te safares fx ! tens que evitar tudo o que é transportes publicos
- e metro?
- metro nao vale muito a pena no rio ... é pequeno perigoso a certas horas e nao cobra 10% da cidade. o rio é uma cidade muito mas mm muito grande, é bom usar um mapa mas sem mostrar que nao sabes aonde estas e aonde vais ... o people no rio é mm muito acolhedor e simpatico ... mas tb é uma faixada. ha muitas pessoas que te querem tirar o guito entao é melhor sempre desconfiar e nao andar com pobres ...é estranho mas que tem dinheiro nao te vai roubar e como nao conheces é melhor agir assim. outra coisa MUITO importante que tens de saber : a bofia(policia) ou seja PM (policia militar). sao muito perigosos e corruptos ! se encontrarje con eles faz tudo o que eles dizem e nao vale a pena pensar que sao bofias e cumprem a lei !quanto tempo é que vais fikar la ?
- no brasil 21 dias. no rio ainda nao sei, depende como correr, tenho voo d regresso de natal, vou ter q apanhar voos internos, talvez na Gol [low cost brasileira]
- entao é melhor limitarje te a passeios turisticos e bares e discotecas conhecidos para nao andares perto de favelas etc...
- qto tempo recomendas no rio?- perguntei-lhe eu
- rio ? a vida toda hahaha. em 2 anos nao vi 10% da cena lol.
- olha já me falaram da lapa
- haha mm bue underground com muitos soms e muita festa .. é um lugar aonde ha muta cultura de rua e urbana, skate,break dance, mas tb uma quantidad enorma de coisas. no rio tens de desconfiar de muita coisa mas as pessoas sao fxs ...vou ter que basar ..

Estas e outras conversas ia lendo, agora sim com olhos de ler. Afinal para onde ia eu? De férias ou para um exercício militar de resistência?
Já vai extenso este post, é certo, mas não poderia deixar de o terminar sem antes transcrever aquilo que rabisquei no avião, numas notas soltas. Relatar à distância tem a vantagem de se poder ser minucioso, mas as emoções da hora são inigualáveis:

“ 5/01/2006 16.47 (Lisbon) [2006 pois, pois, como estava eu..]

_______ [não ousei escrever essa palavra, deixei-a simplesmente em branco...] é a palavra q melhor define o meu estado. Nunca me senti assim, ou talvez seja só a extravagância usual do português comum. Respeito? Sim, sem margens para dúvidas. Um mundo q ouço há anos e que temo, talvez por isso mesmo tenha cá vindo.
Qdo cá vim (Fortaleza) dizia “Vim sozinho para aqui, mas nunca o faria para o Rio”... Só penso na hora de pousar o meu passaporte e cartão bancário em lugar seguro, levantar dinheiro e guardá-lo. Não sei o q me espera por mto q me tenha preparado.
Como me dizia o Abel “Vais crescer muito numa viagem destas”. Tou sozinho, como já venho idealizando há 1 ano.
Só espero mesmo q o Felipe Velloso esteja lá no aeroporto, tenho confiança nele; a sua imagem transmitiu-me conforto. Quis comprar 1 garrafa de vinho do Porto para ele. Cheguei às 7.45-8.00 à Trindade; estava todo fechado. Um Sr. de 1 café indicou-me o Bolhão e entrei numa garrafeira meio manhosa onde só havia vinho do Porto caríssimo e vinho branco. Acabei por comprar o branco. No aeroporto viria a comprar outra de tinto.
O meu lugar aqui é espectacular. Consegui 1 mesmo ao lado da porta de emergência, onde posso esticar as pernas à vontade. E a companhia tb mto agradável. João, 41 anos, dono do Séc XIX, Castelo em Vila do Conde, o serviço de restauração da Casa da Música. Guardo o resto para depois.
O meu dilema: ir ou não para Copacabana? Li no guia q aquilo não é famoso, mas o hostel pareceu-me bom e tem internet à pala (30R/diária). É o único q tenho confirmado até dia 10/01. O Catete seria outra opção, mas não tinha qq informação (checkei o mail pela última x ontem às 22.30.)
Tenho alguns contactos do tio Luís. Adorava q alguém desse 1s voltas cmg ou então q conheça... [a caneta falhava]. Anunciada zona de turbulência. Sinceramente é-me = ao litro; mas isto está a abanar 1 coto.
Preocupo-me qdo lá chegar. Aqui tou seguro.”

segunda-feira, março 05, 2007

Preliminares

19 Dezembro de 2006
Completei nesse dia um ano de estudo intensivo, diga-se ELO (estudo de longa duração). A simplicidade de um singelo acto nesse dia- quando somatizado num exame de acesso à especialidade de 100 minutos. Não sei se senti alívio ou revolta, talvez um meio termo.
Andei desligado da realidade usual e isso fez com que a entendesse um pouco melhor. Meses, dias, horas e segundos intermináveis mas desfrutáveis.

Voltei a ser puto e a questionar "Porquê?". E a entender que o mais importante não é obter a resposta mas o encadeamento das suas perguntas. E saber, no final, que a racionalização que tanto nos exigem não faz a diferença.

Aprendi que o limite não nos é imposto, somos nós que o estabelecemos. Fui além de todas as minhas expectativas e no final soube que não toquei no topo. E como foi bom descobri-lo.

Seguiu-se um Natal em família. Um prazer indescritível: sentar-me num sofá, ouvir um documentário e não pensar em diagnósticos diferenciais por ter visto um fácies característico...
A rotina diária mantinha-se e eu via-a por uma nova perspectiva, mais salutar, acho.
Deixei-me levar pelo batimento cronométrio de poder existir, agora já sem a responsabilidade do momento. Podia não dormir, podia não me alimentar, podia adoecer. Fizesse o que fizesse, o resultado já não dependia de mim. Sentia-me leve… na “consciência”.

28 Dezembro 2006
A notícia: gralha “previsível” do governo na colocação dos médicos internos pelos vários hospitais do país. Saiu um decreto-lei: começaríamos a trabalhar um mês mais tarde (dia 29 Jan 2007).

Dei um grito espontâneo de alegria. “Era a altura!” Fiquei exoftálmico, senti-me a palpitar e o cérebro voltou a processar a cem à hora.
Depois da passagem de ano tinha que viajar, para onde não interessava. Tinha que aproveitar. Pior que não ter oportunidades é não as saber aproveitar, quando as temos.
Dois dias de investigação culminaram em…Brasil. Talvez não precisasse de 2 dias, mas tive de os perder. Baseei-me em http://www.rumbo.es/, um motor de busca de vôos bastante eficiente. As low costs estavam postas de parte; queria voar para fora da Europa já que o tempo o permitia.
Porquê o Brasil?
Tinha um mês de pseudo-férias; em Janeiro é Verão pleno; férias grandes ao rubro; as boas memórias de 2005 e uma vontade inconsciente de querer desmistificar uma hipótese de futuro. Queria repetir o país, mas não as mesmas cidades.
Em 2005 tinha percorrido a costa Nordestina desde Jericoacoara até Natal.
Agora optava pelo lado Sul, mais frio no Inverno de lá, ideal no Inverno de cá.
Fiz algumas reservas na internet, mas estas iam expirando de prazo e as horas passavam. Hesitava em dar o grande passo e isso ia-me angustiando. Até que liguei directamente para a TAP às 13.00 do dia 3 de Janeiro e fiz nova reserva por um preço relativamente aceitável.
Reserva BEXCQW,
Ida
05 Jan 11.15 Porto
05 Jan 19.40 Rio de Janeiro Term. 2
Volta
26 Jan 21.00 Natal
27 Jan 07.00 Lisbon
+
27 Jan 08.45 Lisbon
27 Jan 09.35 Porto

Tinha que efectuar o pagamento no aeroporto até às 21.30 desse mesmo dia para não perder a oportunidade. Foi então que deixei de parte a racionalidade e simplesmente fi-lo. Tinha de ser desta forma. Quando tive os bilhetes na mão, a coisa tornou-se séria. Nessa altura, sim, pensei:
“Depois de amanhã vou para o Rio de Janeiro. 21 dias depois tenho que estar em Natal não sei como, que fica a 2 000 km de distância do Rio.”
Foi então que exclamei “Sou completamente doido dos carretos!” Já não podia voltar atrás (o bilhete não era reembolsável) e tive que pôr mãos à obra, ou melhor, pôr os dedos no teclado.
Informação genérica da cidade, pesquisa de Hostel´s para dormir nem que fosse só no primeiro dia e contactos, para mim o fundamental. Mandei uns 3 mails a Couchsurfers do Rio de Janeiro, na esperança de trocar umas impressões com um café e/ou de obter alojamento por um ou dois dias. Liguei para os meu tios em França que se disponibilizaram em me ajudar de uma forma extraordinária. Eles haviam lá estado há cerca de 3 anos e tinham vários contactos, que posteriormente me enviaram por mail.
Durante a minha pesquisa internética surgiu no MSN a Evelin, fotógrafa de profissão que conheci em Fortaleza quando lá estive em 2005. Contei-lhe do sucedido e questionei-a acerca de contactos cariocas. Foi então que me “apresentou” o Flávio, seu colega de profissão, com o qual mantinha boas relações. Em 3 minutos ele disponibilizou-se para me ir buscar ao aeroporto aquando da minha chegada… Que dizer deste povo?
A maré estava do meu lado. Imprimia tudo o que fazia. Ia ter 10 horas de viagem no avião, tempo suficiente para estruturar contactos, viagens internas e os receios também.
Falei com o Gustavo, um colega meu de Faculade, que lá havia estado com os pais há um ano. A recomendação mais peremptória que me deu foi: “Não fiques em Copacabana, é muito perigoso.”
Liguei para a minha mãe: “Mãe, depois de amanhã vou para o Rio, já comprei bilhetes.” […] De início o silêncio, no final a resignação, acho.”

4 Janeiro de 2007
O meu pai fazia anos, fomos jantar a Matosinhos. O entusiasmo pairava nos olhos da Liliana e eu tentava não me aperceber dele. Fiz por não me esquecer de o parabenizar pois tudo era tão relativo. Tava prestes a fazer a viagem que tanto sonhei e não queria admiti-lo eu mesmo.
Tudo foi instantâneo e nada estava agitado. Estava calmo demais. Tentava ter um pensamento paralelo para não demonstrar a incerteza que tinha no momento. A minha mãe engolia em seco cada pedaço de camarão e olhava-me, mas nada dizia.
No final despedimo-nos, voltei a casa, já sozinho. 23h30!!! Estava por minha conta. Dali a 10 horas tinha que estar a fazer o check-in no Aeroporto Sá Carneiro. Cansado por não dormir, mochila por fazer, sem planos estruturados, nada, nada, nada…

A viagem começava…